Por Patrícia Helen | Designer de Moda
Quando a palavra cunt aparece associada à moda e à cultura queer, é comum que ela seja lida apenas como provocação ou excesso. Mas essa leitura simplifica demais um fenômeno que é, antes de tudo, linguagem e posicionamento.
Historicamente usada como ofensa, cunt vem sendo reapropriada por contextos queer e dissidentes como afirmação de presença, autonomia estética e domínio da própria imagem. Na moda, isso não se traduz apenas em roupas ousadas ou visuais chamativos, mas em uma decisão consciente de ocupar espaço, mesmo quando esse espaço não foi pensado para certos corpos.
A Cunt Club, realizada em Pelotas, nasce exatamente desse impulso. Criada a partir da vontade de ocupar a noite com mais liberdade estética e social, a festa reuniu música pop, corpos dissidentes e visuais que escapam das regras do vestir cotidiano. No Galpão Satolep, a pista se tornou território: um lugar onde exagero, sensualidade, humor e referências clubber não precisam ser moderados para fazer sentido.
É importante fazer uma distinção aqui. Vivemos, sim, uma era saturada de imagens, corpos e performances. Para muitos, especialmente de gerações mais velhas, o presente é percebido como excesso, não como neutralidade estética. Essa leitura não está errada. O cotidiano digital é marcado por visibilidade constante, exposição e produção incessante de imagens de si.
Mas esse excesso é, em grande parte, controlado. Regulamentado por tendências globais, algoritmos, padrões de aceitabilidade e expectativas de consumo. Vemos muitos corpos, mas poucos realmente desviantes. Muitas estéticas, mas pouca margem para o risco. O que se apresenta como diversidade frequentemente opera dentro de limites bem definidos.
Nesse cenário, a cultura cunt não surge como “mais” no sentido quantitativo, mas como desvio. Não é mais corpo ou mais imagem, é outra relação com eles. Uma presença que assume o exagero não para agradar, mas para afirmar. Uma imagem que não busca ser palatável, vendável ou facilmente traduzida fora do contexto em que nasce.
Na pista da Cunt Club, os looks ganham força justamente porque existem em relação direta com a noite, a música e o encontro. Não porque “só fazem sentido ali”, mas porque ali não precisam se justificar. Há prazer em ser visto, sim, mas também há intenção. Sustentar uma presença que chama atenção não por acaso, mas por escolha.
Vejo a cultura cunt menos como tendência e mais como sintoma cultural. Ela revela um desejo de retomar o controle da própria narrativa visual em um mundo onde a imagem é abundante, mas a liberdade estética é negociada o tempo todo. Vestir, nesse contexto, deixa de ser só aparência e volta a ser gesto, linguagem e posicionamento.
É sobre existir sem tradução, sem moderação e sem pedido de desculpas. E talvez seja justamente aí que mora a força da Cunt Club.


